Próximo de Sintra e de Lisboa, o Palácio Nacional de Queluz e os seus jardins históricos constituem um dos exemplos mais notáveis da ligação harmoniosa entre paisagem e arquitetura palaciana em Portugal. Ilustram os ambientes e vivências da Família Real e da corte portuguesa na segunda metade do século XVIII e início do XIX, ao mesmo tempo que apresentam a evolução do gosto neste período marcado pelo barroco, o rococó e o neoclassicismo, remetendo para momentos de grande relevância histórica, na transição do Antigo Regime para o Liberalismo.
De Castelo Rodrigo a Casa do Infantado
Na origem do Palácio está a antiga Casa de Campo de Queluz, mandada erigir por D. Cristóvão de Moura, primeiro marquês de Castelo Rodrigo, que contribuiu para a agregação de Portugal e dos seus territórios ultramarinos à Coroa Espanhola. D. Manuel de Moura (1592-1652), seu filho e segundo marquês de Castelo Rodrigo, transforma a mansão numa grande quinta de recreio, confiscada após a Restauração da Independência em 1640 e doada ao infante D. Pedro, primeiro Senhor da Casa do Infantado e futuro D. Pedro II (1648-1706).
A criação em 1654 do título da Casa do Infantado pelo rei D. João IV (1604-1656) pretende dotar de património e rendimentos próprios os filhos segundos dos reis de Portugal, príncipes que não estavam destinados a ser herdeiros da Coroa.
Ao Infante D. Francisco (1691-1742), segundo Senhor da Casa do Infantado, ficaram-se a dever obras de ampliação e de captação de água, incluindo a construção do aqueduto ainda hoje existente. É, no entanto, o Infante D. Pedro (1717-1786), terceiro Senhor da Casa do Infantado e futuro rei consorte D. Pedro III (pelo casamento com a sobrinha D. Maria I) quem, entre 1747 e 1786, promove uma campanha concertada de obras, ampliando o chamado “Paço Velho” e dando-lhe uma envergadura de Palácio Real. Alheio à política e às intrigas cortesãs, possuidor de uma fortuna considerável e de gostos e hábitos elegantes, D. Pedro dedica a Queluz uma atenção direta e constante, que apenas termina com a sua morte.
De Casa de Campo a Real Paço
Inicialmente concebido como residência de verão, torna-se espaço privilegiado de lazer e entretenimento da família real, que o habita em permanência de 1794 até à partida para o Brasil, em 1807, aquando das invasões francesas. Os diferentes espaços verdes formam uma unidade com o edifício, cujas fachadas, voltadas para os jardins superiores “à francesa” (o Pênsil e o de Malta), se prolongam através dos delicados parterres de broderie delineados por sebes de buxo. A estatuária, inspirada na mitologia clássica, ornamenta e pontua os eixos principais, animando estes jardins de aparato. O notável conjunto de esculturas em pedra e em chumbo provem de Itália e Inglaterra, sendo estas últimas da autoria do artista londrino John Cheere. Estes jardins são separados dos jardins adjacentes, bem como das zonas arborizadas e agrícola envolventes, por balaustradas de pedra com vasos e estátuas. Do pórtico irradia um conjunto de avenidas ligado, por sua vez, a outras formando um traçado complexo, de reticulado geométrico, cujos cruzamentos apresentam lagos e fontes dotados de jogos de água. Destaca-se o lago desenhado em 1764 pelo francês Jean-Baptiste Robillion, em forma de octógono estrelado (Lago das Medalhas), entre outros.
No percurso interior do Palácio, os espaços de aparato, de devoção e os aposentos privados sucedem-se em íntima ligação com o exterior, outrora palco de festas, danças, teatros, concertos, jogos e espetáculos equestres e de pirotecnia. Os trabalhos de talha dourada e papier maché, as paredes forradas de espelhos ou pinturas e os lustres cintilantes, de grande efeito decorativo, bem como o acervo exposto, proveniente na sua maioria das coleções reais, refletem os ambientes e o espírito requintado dos tempos áureos do Palácio.
Através da cenográfica Escadaria dos Leões acede-se ao monumental Canal de Azulejos, extenso lago artificial – decorado com grandes painéis de azulejos representando portos de mar e cenas galantes – que permitia aos membros da Família Real passearem de gôndola enquanto ouviam música.
As principais fases de construção
A uma primeira fase de obras, centrada sobretudo na adaptação do antigo palácio e comandada pelo arquiteto da Casa do Infantado Mateus Vicente de Oliveira (de c. 1747 a c. 1758), sucede-se uma segunda fase coincidindo com o anúncio do casamento de D. Pedro com a herdeira do trono, a princesa D. Maria, que tem lugar em 1760. Torna-se então necessário dotar o Palácio dos espaços de aparato adequados a uma residência real, tendo nisso tido papel importante o arquiteto e ourives Jean-Baptiste Robillion (de 1760 a 1782), sob a superintendência de Mateus Vicente de Oliveira. Exemplo disso é a construção da Sala do Trono, em finais da década de 60, inexistente no plano inicial, e o Pavilhão de aposentos privados, cuja Escadaria liga o Palácio à Real Quinta de Queluz e proporciona um efeito cenográfico de grande elegância.
Em 1784 iniciam-se novos projetos construtivos, dirigidos pelo arquiteto e sargento-mor Manuel Caetano de Sousa (de c. 1784 a 1792). Desta fase destaca-se o segundo piso, com novos aposentos, de que só resta o andar nobre sobre a Fachada de Cerimónias, e o chamado Pavilhão D. Maria, erguido no local onde se localizava a “Casa da Ópera”. Ambas as intervenções se encontravam concluídas em 1789.
Após o incêndio da Real Barraca da Ajuda, em 1794, onde a Família Real vivia em permanência desde o terramoto de 1755, o Palácio de Queluz torna-se residência oficial da rainha D. Maria I – que entretanto enviuvara – e posteriormente dos príncipes regentes D. João VI e D. Carlota Joaquina, sendo necessário ajustar alguns espaços interiores e construir novos edifícios para acomodar a Corte, a Guarda e a criadagem.
Sofisticação e Festa
Do primeiro período de habitação do Palácio, correspondente a D. Pedro III e a D. Maria I, sobressai a grande animação lúdica, a par com a grande versatilidade dos espaços, que eram encenados e armados conforme as diferentes funções e eventos, habitualmente celebrações de festas religiosas e de aniversários reais.
A Queluz acorre frequentemente a Corte para assistir a serenatas, cavalhadas e espetáculos de fogo-preso, por ocasião das comemorações de São João e São Pedro, no mês de junho, e do aniversário de D. Pedro III, a 5 de julho. A maioria dos festejos tem lugar nos jardins e incluem arquiteturas efémeras, fogo-de-artifício, jogos equestres e touradas, a cavalo e a pé, entre outros divertimentos, sobretudo entre 1752 e 1786, ocupando sempre a música um papel central.
A vida cortesã em Queluz é ainda animada no tempo em que a prometida do infante D. João (futuro D. João VI) – a infanta espanhola D. Carlota Joaquina de Bourbon – chega a Portugal (1785), testemunhando ainda o epílogo de um tempo despreocupado e feliz que uma sucessão de eventos trágicos viria em breve ensombrar.
O Fim do Fausto e do Ancien Régime
À morte de D. Pedro III, em 1786, seguir-se-á, dois anos depois, o prematuro falecimento do príncipe herdeiro D. José. Deixava uma mãe demasiado debilitada cuja incapacidade para governar acabaria por ser decretada em 1792, ano em que D. João é aclamado Príncipe Regente.
Com a partida precipitada da Família Real para o Brasil em 1807, um dia antes da entrada das tropas napoleónicas em Lisboa sob o comando do general Junot, encerra-se o período de maior vivência do Palácio. Com a Família Real parte também grande parte da nobreza, saindo de Portugal muitos tesouros do património nacional, incluindo o recheio do Palácio.
Em dezembro de 1807, o próprio Junot visita o Palácio com o intuito de nele proceder a algumas modificações, tendo chegado a alimentar o sonho de aqui vir a instalar Napoleão Bonaparte.
D. João VI e a Corte regressaram a Portugal em 1821, mas Queluz só volta a ser habitado, em regime de semiexílio, pela rainha D. Carlota Joaquina acompanhada pela cunhada infanta D. Maria Francisca Benedita (1746-1829), a “princesa-viúva”, a cujo nome ficou ligada uma ala de aposentos. Também D. Miguel (1802-1866) habita o Palácio de Queluz, enquanto rei e durante o período sangrento das guerras fratricidas que o opuseram a D. Pedro IV (1798-1834), primeiro Imperador do Brasil e primeiro monarca constitucional português que, logo após a vitória liberal, aqui morre precocemente vítima de tuberculose, no mesmo quarto – o chamado Quarto D. Quixote – onde havia nascido 36 anos antes.
A partir de 1957 o Pavilhão D. Maria, ala nascente anexa ao Palácio, passou a ter funções de residência dos Chefes de Estado estrangeiros em visita oficial a Portugal.
Nos jardins do Palácio Nacional de Queluz foi sediada a Escola Portuguesa de Arte Equestre, fundada em 1979 com a finalidade de promover o ensino, a prática e a divulgação da Arte Equestre tradicional portuguesa. Recupera a tradição da Picaria Real, academia equestre da corte portuguesa do século XVIII, e utiliza exclusivamente cavalos lusitanos de ferro de Alter Real.
Atualmente os visitantes do Palácio e Jardins podem assistir todas as quartas-feiras e sábados, às 11 horas, a uma apresentação com os cavalos e cavaleiros da Escola Portuguesa de Arte Equestre.
O Palácio Nacional de Queluz foi classificado como Monumento Nacional em 1910 e integra-se na Rede de Residências Reais Europeias desde 2013.